Materialismo humanista
“Sou humano, nada do que é humano me é estranho.” Terêncio, 163 E.C.
O materialismo, ou ateísmo além de constituir um sistema completo de ideias sobre o universo, constitui um vasto sistema de ideologia política, existencial e moral. O materialismo aplicado na política implica na história do humanismo secular proveniente da batalha contra religiões como o cristianismo.
Nos dicionários predomina a errônea definição de materialismo como atitude das pessoas com uma vida voltada unicamente para os bens materiais. Etimologicamente é uma definição válida, porém errônea e inútil na tentativa da criação de uma ética. Materialismo não é hedonismo, essa definição para o leigo existe e até faz sentido com predominância social porque vivemos numa sociedade burguesa, mas é uma definição de materialismo que a igreja inventou, pois a igreja por motivos políticos sempre foi inimiga mortal do materialismo. Dado que o ateísmo é uma cosmovisão materialista, logicamente implica e possui valores morais e noções de ética. Como há um conjunto de valores guiando os fanáticos religiosos, também há uma ética e moral materialista-ateísta no mesmo sentido. O ateísmo é um estilo de vida, uma vasta cultura, uma ideologia que está sendo aperfeiçoada há milênios através da racionalidade, um conjunto de ideias que continua em pleno debate, materialismo são princípios e ideias, não é apenas uma classificação acerca de posicionamento, ou estado intelectual do indivíduo em relação ao sobrenatural. Em alguns aspectos o materialismo possuí uma natureza bastante semelhante às religiões, sendo a antirregião organizada! Mas, ao contrário dos religiosos fanáticos, os valores morais materialistas mudam conforme a época e local, pois os valores sempre evoluem com as necessidades da sociedade.
Precisamos de extrema coragem para avaliar e corrigir todos os valores tradicionais. Aproveitar os bons tijolos que os pedreiros das ideias cimentaram com amor na cultura, mas nada de aceitar conceitos sem antes vê-los através de uma feroz e implacável crítica racionalista. Todos os valores culturais que não servirem para despertar nos indivíduos sentimentos de elevação e amor a vida são venenos e esses tóxicos devem ser abandonados de imediato.
Fazer isso exige que a pessoa enfrente hábitos e ideias sociais profundos, trazendo a luz a conexão de valores e suas implicações. Estar preparado para desafiar algo tão arraigado como os valores tradicionais exige extrema coragem de suas convicções e disposição para questionar o status quo. Também requer a capacidade de articular os próprios sentimentos e de se engajar voluntariamente em conversas com outras pessoas que podem se sentir desconfortáveis com as mudanças propostas. Suportar a resistência veemente que muitas vezes vem com a sugestão ou defesa de qualquer tipo de alteração no sistema atual exige uma força profunda e um senso de determinação. Todas essas coisas, então, constituem o que é preciso para avaliar e corrigir os valores tradicionais.
O materialismo é o pré-requisito para qualquer teoria ética válida. Não é possível, portanto, ser uma pessoa religiosa e simultaneamente ser um indivíduo plenamente ético. Ou seja, por basearem seus valores em livros escritos há milênios os religiosos acabam sendo irracionais, imorais e anti-éticos. A religião joga os crentes direto na Idade do Bronze; uma época dos encantamentos mágicos, a escravidão era aprovada pelos deuses, mulheres e crianças eram propriedade dos homens, era a época do apedrejamento, pessoas desesperadas sacrificavam animais, alimentos e até seres humanos visando acalmar a fúria divina. É fácil encontrar um líder religioso em algum momento reproduzindo superstição, medo, ignorância, desigualdade, homofobia, racismo, misoginia e violência; ou seja, são valores morais que fazem parte das religiões, mas são que considerados imorais e inadequados pela maior parte da sociedade atual.
O barão Holbach afirma ser através da razão e da experiência que devemos saber direcionar as paixões e os desejos mais úteis ao gênero humano, e assim, proporcionar o melhor para atingir a nossa felicidade. Para o Barão, o desejo é natural e necessário, e seu objetivo é o prazer, não importando se o impacto moral resultante seja bom ou ruim para o ser humano. Na busca por proteção e felicidade humana, a ênfase das pessoas no desejo reside na compreensão material de como a natureza funciona. Ao compreender a natureza humana, a vontade humana e a organização do corpo fazem com que as pessoas desejem e sejam afetadas pelo desejo.
O materialismo não é hedonista, ou egoísta como popularmente usam a definição para acumuladores compulsivos de riqueza. Essa é uma visão alienada e superada do materialismo, claro que quando se abandona a necessidade espiritual, de fato há uma maior proximidade com o hedonismo, mas repito, isso é um materialismo alienado, equivocado e totalmente superado. O materialismo, não se apresenta como um discurso maniqueísta e imutável. Os fundamentos de uma moralidade materialista se transformam diante das condições históricas estabelecidas. Não vivemos num paraíso onde é possível viver e consumir sem impactar a natureza, agora é impossível consumir sem acelerar a destruição do planeta. O materialismo é a superação do presentismo. Agora, neste instante aproveitar o momento, mas com a sabedoria do passado, podemos planejar o futuro. Essa perspectiva analítica sobre a existência, supera o hedonismo e presentismo. O materialista extrai alguns exemplos a partir das leis da natureza, planejar o futuro, ou seja, uma teleologia é o fato do universo ser governado por causa e efeito. Todos nós precisamos de objetivos, seja como indivíduos ou como espécie, todos nós precisamos de objetivos pessoais e globais para melhorar nossas vidas e nosso planeta para nossos filhos.
O humanista é aquele que ama a humanidade. Uma mente ateísta acompanha um coração humanista, um coração preocupado com o desenvolvimento e o bem-estar das próximas gerações. A moral pressupõe a relação de indivíduos. Ética e moralidade não existiriam se vagasse pela terra o último ser humano, o último egoísta do planeta não tem moral. Quando falam em moral egoísta e individualista, dou risada. Não faz sentido uma moralidade imoral. Todo ato egoísta é um ato imoral. Ser imoral é ser egoísta. A estrutura da moral é a cooperação sem a possibilidade de coerção física e muito menos psicológica. Toda cultura que prejudica a cooperação é inferior porque coloca nossa espécie em risco de extinção.
Os indivíduos são inseparáveis dos objetivos ou valores que constituem sua sociedade, nossa capacidade como indivíduos é o produto de uma longa história social. Feuerbach foi precursor da interessante crítica a noção de indivíduo, sua filosofia era coletivista, altruísta, comunitária. O filósofo materialista desenvolve um pensamento humanista contra o sobrenaturalismo “subjetivista” do cristianismo. E trata de afirmar que o coletivismo foi deformado pelo sonho da religião cristã, sua teologia e idealismo. Feuerbach chama de nossa “essência genérica”, racional, amorosa e comunitária, constituída por nossos valores, nossas excelências, nossas potências maiores ― a razão, o amor, a vontade ―, que foram equivocadamente atribuídos a deus. Esta essência genérica é o que deve agora substituir a divindade como fundamento objetivo e universal para a ética, a política, a cultura. A essência do materialismo é a razão, o sentimento de racionalidade, a busca por entender e organizar o mundo corretamente é a essência do materialismo, se algo é irracional é anti-materialista.
O coletivismo, o humanismo proposto por Feurbach encontrou um apoio lógico na matemática, segundo a teoria matemática dos jogos de John Nash é melhor agir coletivamente, sendo disso mesmo que se trata a moralidade, um jogo de cooperação entre grupos de indivíduos. Portanto, o materialismo recomenda que os seres humanos criem grupos e busquem estratégias para agirem coletivamente. Os materialistas devem criar associações, reunirem-se para discutir e celebrarem a descrença e militância política.
Karl Marx afirmou “Os filósofos até agora se limitaram a interpretar o mundo de diversas maneiras; mas o que importa é transformá-lo.”, como o humanismo materialista se adapta as condições históricas estabelecidas não é difícil imaginar a possibilidade de um mundo que não precise ser transformado; mas ainda não vivemos em tal utopia, não vivemos num mundo em que o futuro da espécie humana esteja assegurado, podemos ser extintos a qualquer momento, o fato é que a humanidade está destruindo o planeta e colocando e se em perigo de extinção, há possibilidade de guerras, doenças, o aquecimento global, a extinção da fauna e da flora são fatos científicos, negar isso é a mais pura e grave incoerência, por isso é irracional, imoral e anticientífico ser um conservador. O velho Marx está certo, precisamos mudar o mundo, precisamos salvar o planeta de nós mesmos, precisamos de uma mudança drástica nas relações humanas com a natureza.
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